terça-feira, 15 de setembro de 2009

O COFRINHO DA SAUDADE

. Com as empresas japonesas perdendo o fôlego, restou para muitos dekasseguis brasileiros o estreito caminho da volta. Vieram ao Japão estimulados pelo aroma do iene e retornam sem ver a cor das cédulas que garantiriam um futuro melhor.
. Para os que ficaram, reduzidos a fatias pouco edificantes os propósitos iniciais, não sobrou muita coisa. Neste lado do mundo, onde tudo parece igual, as esteiras correm vomitando peças, transformando seres humanos em engrenagens descartáveis. Com a crise econômica emperrando as fábricas, os produtores, impotentes, enxugam o quadro de empregados com demissões sumárias ou reduzem a jornada de trabalho.
. Chamuscada a meta inicial de acumular riqueza, evidencia-se a face do brasileiro dekassegui que busca paliativos, tentando colorir as paredes cinzentas da vida com as tintas baratas dos prazeres efêmeros. Não raro, acaba saindo pela tangente, semeando problemas.
. Da busca ávida de emoções que possam sufocar a aridez do cotidiano germinam, velados ou estridentes, incômodos dramas domésticos que vão pincelando o falatório dos conhecidos.
. A perspectiva de um difícil recomeço no Brasil despertou em muitos a idéia de criar raízes aqui, no arquipélago. Para outros, o período se tornou um intervalo, uma lacuna que apagou o passado e tornou o futuro uma incógnita.
. A vida, no entanto, é uma corrente contínua e, para cada dia, existe o ontem e o amanhã.
. Na lida das fábricas, a preocupação se resume ao presente. Contudo, fora delas é necessário preservar a idéia de que houve um passado no qual, bem ou mal, algo foi sedimentado. E que, numa mescla de planos e sonhos, há sempre um porvir.
. Toda ruptura implica em quebra. Nos seres humanos, em abandono. O rompimento machuca e dificilmente cicatriza.
. Não vamos confundir fugas com novas conquistas. A conquista adiciona. A fuga é ilusão de permuta. Às vezes dá certo, mas paga-se sempre um preço. É o caroço incômodo que fica entalado no fundo da consciência.
. Quando se respira apenas o presente, a fuga e a conquista se nivelam num mesmo patamar.
. A ilusão de que nada tem a perder leva o dekassegui a procurar obras de arte em supermercados. Precisa tomar cuidado. Pode estar gastando o dinheiro do cofrinho da saudade.