domingo, 8 de maio de 2011

DINOSSAUROS E ORQUÍDEAS

Seguidora do meu blog, a bióloga Ana Frida Hatsue Modro escreve ensaios shakespearianos sobre as agruras de um passarinho. Reside em Rolin de Moura RO e já andou no meu colo. É filha caçula de Wilson Modro, o Alemão, velho amigo de baita coração.

Quando iniciamos o loteamento do Jardim Hikari, o Alemão, chefe do Departamento de Água e Esgoto, chegou voando. Botou rápido a escavadeira para abrir as valas e implantar a rede.

Um dia, veio me chamar. Havia desenterrado um osso enorme, misterioso, provavelmente o canino de um tiranossauro. Se isso fosse confirmado, o Jardim Hikari iria se transformar num rendoso sítio de pesquisas arqueológicas. Ponderei que todos os dentes do tiranossauro eram caninos, mas, por via das dúvidas, fui checar. Era a anca de um jumento.

A cuca do Alemão estava entupida de fantasias. Via duendes no zoológico, já extinto. Lendo O Processo de Franz Kafka sobre o atormentado Josef K., comentou: "Esse cara sou eu". O checo Kafka, autor da célebre A Metamorfose, é o maior escritor do mundo, de todas as épocas.

Quando novo, o Alemão era desordeiro.

Aos 18 anos, foi servir o Exército em Campo Grande, Mato Grosso.

No treinamento de combate simulado, Alemão fez o papel de soldado ferido. Dois recrutas, na pele de soldados enfermeiros, o botaram na maca e saíram correndo. O Alemão ficou numa boa, deitadão, enquanto os enfermeiros suavam a farda, com a língua de fora. Aproveitou para fazer micagens, achando que a tropa, compenetrada nas tarefas, ia rir. Ninguém olhou, exceto o sargentão que esperou o momento oportuno. Quando os recrutas enfermeiros atingiram a pequena ponte sobre um riacho caudaloso, o sargentão mandou despejar o macaquinho ferido dentro d'água.

O pai do Alemão tinha o mesmo apelido, assim como o tio.

O Alemão tio era mecânico da prefeitura e consertava motoniveladoras com o Guengo Hatanaka, filho do fundador de Bastos, que vinha ajudar.

Um duelo de competência.

O Alemão tio, além de bom mecânico, era amante da natureza. Sabia de ervas que curavam até a dor de cotovelo. Meio bruxo.

Foi pela mágica da forquilha que o Alemão sobrinho abasteceu com água cristalina a população de Bastos.

O Alemão tio entrava no matagal com um ramo verde em forma de forquilha. Quando chegava em cima de uma veia de água subterrânea, a extremidade da vara "vapt" apontava para baixo. "É aqui", dizia o Alemão tio. O Alemão sobrinho demarcava o local e mandava cavar o poço. O líquido fluía em abundância, para a tranquilidade dos bastenses.

O método, empírico, era infalível. O Silvioney Garrucino, sabe.

Morador de Rondônia, o Alemão reaparece no dia cinco de maio, pela internet. No Japão, cinco de maio é o Dia da Criança, o koi nobori. No Brasil é o dia do aniversário do Yoshimaro.

Em nosso último contato, Wilson Modro estudava orquídeas. Mostrou-me fotos daquelas charmosas flores que antes jamais haviam sido vistas por um ser humano.

Idoso, o destemido Alemão penetrava na selva amazônica, com um marca-passos no peito. E capengando, pois sofre de um mal incurável nas pernas, catalogava e fotografava orquídeas.

Havia se tornado o maior orquidólogo do Norte, provavelmente do Brasil.

Wilson Modro é imortal.

Sim, senhor.


domingo, 2 de janeiro de 2011

É CULPA DO FEIJÃO

. A cartomante sondou aquela cara espinhuda, feiosa, os olhos miudinhos, pisquentos. Ele tinha uma pinta grande na asa do nariz, do tamanho de um feijão. "Céus - lembrou a bruxa - esqueci de requentar o feijão".
. Mas como o rapaz estava pagando, foi tirando as cartas e abreviando a consulta por causa do feijão.
. - Não te avexes, meu filho, muito em breve tu vais encontrar a garota dos teus sonhos. Na verdade, ela está bem perto de ti e te dirigirá a palavra primeiro.
. - Breve, quando? - quis saber ele, de olhar faminto.
. "Droga, sei lá, pateta", pensou. Mas falou macio. Afinal, o babaca estava pagando. "Ai, meu feijão".
.- Em três dias, caso tenha muita fé.
. O "caso" era praxe. Se ele voltasse, diria: "Ah! Te faltou fé, pouquinha coisa".
. Impressionado com o vaticínio, o rapaz foi para casa e ficou matutando.
. A única bonitona que morava perto era amásia do sargento. Nem pensar. De solteira, sobrava a Maricota, sua vizinha feia, antipática, enxerida e estúpida. Colecionava defeitos e era bem mais velha. "Jesus, dá até arrepio".
. À noite, teve pesadelo. A Maricota correndo atrás dele, querendo lhe dar uma doída injeção de ânimo. Uau, uau, acordou suado, o coração disparando.
. Na noite seguinte, deu repeteco. Acordou mais suado ainda, querendo morrer. " Jesus, sonhei duas vezes com a Maricota. Será ela a garota dos meus sonhos? Pesadelo também é sonho?"
. No terceiro dia, não aguentou. Foi dar uma boa espiada na solteirona, por cima do muro.
. Não, não podia ser. Nojenta.
. Mas aí a garota reparou nele e lascou provocante.
.- Nunca me viu, bundão?
. "Jesus, ela falou comigo". Apavorado, nem se mexeu.
. A megera partiu para a ofensa.
. - Essa coisa aí na cara é carrapato?
. "A jararaca me esculachou", tremeu o coitado. Arranjou rapidinho uma desculpa:
. - É que...que...queria convidar você para uma sorveteria.
. - Sorveteria?
. A Maricota abrandou. Era raro receber um convite daqueles. Pensando bem, era a primeira vez. "Se o trouxa quer pagar, por mim está bom".
. Foi o começo. Dizem que já estão casados e que ele apanha todos os dias.
. Cartomante é assim, gente. Mesmo sem querer adivinha tudo. Principalmente quando esquece de requentar o feijão.

sábado, 1 de janeiro de 2011

UM NOVO ANO ESTÁ NASCENDO

. A natureza não se dá ao capricho de moldar o dia, apenas porque nós, pobres mortais, queremos torná-lo especial. Pode haver temporal no aniversário, trovejar na noite do noivado. E estamos sujeitos a perder o emprego numa manhã ensolarada, bonita e aprazível.
. Ainda bem que temos corações.
. Uma tarde nublada e sombria pode se tornar resplandescente pelo brilho de um olhar, tépida e agradável pela força das emoções.
. Temos o condão de alterar as horas conforme os nossos sentimentos. A alegria e o prazer transformam o crepúsculo num amanhecer radiante e temos o dom do consolo para mitigar a amargura.
. Assim, podemos celebrar num dia absolutamente igual aos outros o Ano Novo, ativando as chamas do amor e da fraternidade para renovar esperanças.
. É gostoso sentir que alguma coisa está mudando, embora a gente só note a troca de olho no calendário. Mas os vestígios estão em toda parte, no semblante das pessoas, na fartura das mesas, no ar festivo dos lares, no espocar dos rojões.
. E a brisa que sopra em nossas almas sussurra que estamos no limiar de uma etapa repleta de bons acontecimentos e notáveis realizações.
. Que assim seja.