segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Meu filho Stefan, único "japonês" peão de rodeio do Brasil


O PORQUINHO FEDIDO

. Esta narrativa, de 1997, faz parte da série "Meu Filho Caubói".
. -Reprovei, mãe, reprovei! - anunciou o meu filho Stefan, voltando da escola e jogando a bolsa no sofá - Foi bom, não foi, mãe? Vou poder estudar o dobro.
. Minha mulher não se lembra se riu ou chorou.
. Stefan era divertido até a segunda série do primário quando escrevia "a dona Akiko é a melhor professora que tive em toda a minha vida" ou "a minha mãe é baixinha, gordinha, anda de fusca, usa blusa vermelha e calça azul". Minha mulher, horrorizada, percebeu que, com quatro filhos para criar, quando saía para as compras, usava sempre a mesma roupa.
. Mas tornou-se desordeiro, abominado pelos professores e temido pela garotada que mudava de calçada para não cruzar com ele. Vivia criando tumulto.
. Adorava animais e era ávido por cavalos.
. Um dia, trouxe uma galinha caipira. Depois outra, mais outra e encheu o quintal de galináceos. As aves dormiam empoleiradas nos galhos da mangueira, mas algumas resolveram morar na área dos fundos onde eu havia estendido uma rede para descansar. Virou um inferno. Havia cocô por toda a parte e o cacarejar incessante me deixava maluco.
. "É de raça, é de raça", argumentava a minha mulher, contaminada pelo avicultor nanico, "a miudinha é garnizé. Esta aqui, carijó". Mas não aguentei.
. Mandei sumir com a galinhada barulhenta que acabou trocada por um bando de pombos. Deu na mesma. Os pombos rechearam de cocô a área dos fundos e sabiam voar melhor, o que era um agravante.
. Mandei sumir com os pombos. Stefan obedeceu mas arrumou uma trinca de galos petulantes que invadiu o meu território para me desafiar, de peito estufado e olhar maligno, provocando arrepios. Dava medo.
. Topei com o carroceiro Haroldo, o valentão da cidade, que saía da cadeia onde esteve preso por desacato, pois encarou o sargentão da PM e berrou "tomá na peida, sô!".
. O Haroldo puxou conversa.
. - O Sté, aquele menino terrível, é seu filho, não é? Eita, adoro ele. É foda o moleque. Todo domingo, vem com o galo dele debaixo do sovaco e bota pra brigar.
. Fiquei sabendo que Stefan andava fazendo apostas na rinha clandestina da vila.
. Mandei dar sumiço nos galos que foram permutados por meia dúzia de coelhos enormes.
. O meu cão Cheyenne, que não ligava para as aves, invocou. Numa madrugada, com o Stefan ausente, matou-os um a um. Despertei quando Cheyenne perseguia o último deles. Os coelhos, acuados, emitem um silvo - shuiiii! - estranho e aterrador.
. Sonolento, não atinei de imediato com o que estava sucedendo. O cão agia em silêncio. Quando percebi, corri para fora. Era tarde demais.
. Meu filho voltou e enterrou os coelhos. Adotou um animalzinho que não parava de correr dentro de um cilindro rotativo e parecia haver sossegado.
. Mas bastou que eu fosse para Rondônia a serviço e a bagunça recomeçou com a chegada de uma novilha. A caçula Tatiana foi incumbida de cuidar dela, dando leite na mamadeira. Tatiana cumpriu a tarefa com medo de levar uma surra e minha mulher passou a comprar leite de vaca para alimentar uma vaca.
. Com o tempo, Tatiana acabou virando a mãe da vaquinha que a seguia por toda parte. Ela chorou quando Stefan levou a bezerra embora.
. Então, finalmente, apareceu no quintal um par de cavalos.
. O que ficou impregnado na minha mente foi, contudo, um porquinho fedido.
. Deitado na rede, senti o cheiro asqueroso de chiqueiro. "Quem é o doido que cria porcos em plena cidade?", pensei. Aí ouvi o som de passinhos e deparei com um leitãozinho mirrado me espiando. Ah! Devia ter suspeitado. Só podia ser coisa do Stefan. O meu quintal era o chiqueiro.
. - Leve esse animalzinho fedorento para longe daqui! - gritei bronqueado.
. O porquinho desapareceu, mas dias depois Stefan murmurou com os olhos úmidos:
. -Era meu presente para o pai comer.
. Senti um nó na garganta. Fazia calor. As nuvens brancas deslizavam de mansinho no céu azul e na minha cabeça tangiam diminutos sinos da fraternidade.
. Era véspera de Natal.

cartum selecionado no XXXIV Salão Internacional de Humor de Piracicaba


domingo, 7 de dezembro de 2008

O RUI GOSTAVA DE JANIS

. O Rui e o Kazu, meus primos, dividiam, em São Paulo, o compartimento do porão na casa do meu tio que era tio deles. Quando viajava para a capital paulista, dormia também no quartinho.
. Ficou meio confuso. não é?
. Vou trocar em miúdos. Eram cinco irmãos. A mais velha não conta, pois permaneceu no Japão e não acompanhou os pais (meus avós) que emigraram para o Brasil.
. O Kazu era o filho caçula do segundo, meu tio.
. O Rui era o quarto filho do terceiro, meu tio.
. Eu era o filho da mãe. Ou melhor, o quarto filho era mulher: minha mãe.
. O quinto era também mulher e casada com o tio que residia em São Paulo. No porão da sua casa, onde me hospedava de vez em quando, moravam o Rui e o Kazu.
. Deu para endender? Não? Então, desisto.
. O Rui e o Kazu viviam discutindo, pois tinham índoles completamente opostos. O Rui, corretíssimo, julgava a honestidade como o atributo indispensável a todos os seres humanos. O Kazu achava que o mundo se dividia em lobos e cordeiros, devido ao caráter obscuro e volúvel dos homens. Rui só admitia que fora o correto só havia o errado. Kazu insistia que entre os dois extremos existia o meio certo e o engano.
. Kazu estudava belas artes e o Rui era fiscal incorruptível da prefeitura de Sáo Paulo. Tornou-se lendária a monstruosa multa que aplicou na igualmente monstruosa indústria de cigarros. Rui, quando se julgava certo, não arredava um centímetro sequer.
. Mas era também profundamente caridoso.
. Embora existisse bem ao lado uma passarela, um caboclo tentou atravessar correndo a pista da Rodovia Dutra que liga São Paulo ao Rio e acabou atropelado pelo Rui. Obviamente, a polícia o isentou de qualquer responsabilidade, mas ele sustentou a família do infrator e vítima durante meio ano, até ele se recuperar totalmente das fraturas.
. Para minha perplexidade, o bitolado Rui nutria uma estranha paixão pela exasperante Janis Joplin. Quando Kazu adormecia, cansado de discutir, para não perturbar o sono do primo, Rui pegava o violão, tocava e cantava Janis tão baixinho, que nem ele próprio conseguia ouvir, enquanto o ronco do Kazu abalava o quarteirão. Certa vez, afinei (à minha moda) o seu violão. Ele me presenteou com uma coleção inteira de LPs (não havia CDs na época) da cantora. Joguei tudo fora.
. Kazu continua sendo o mesmo cordeiro, se esforçando para virar lobo. Mas Rui já se foi. Morreu prematuramente num acidente de trânsito.
. Rui conhecia como ninguém o sentido da solidariedade.
. Ainda novo, com vinte e poucos anos, destinava mensalmente parte do seu ordenado para uma entidade que cuidava de crianças excepcionais. Minha tia, voluntária da assistência social, se encarregava de entregar a doação, sob promessa de não revelar a sua origem.
. Passados dois anos, a tia sugeriu:
. -Rui, você devia ao menos conhecer as crianças que tem ajudado tanto. Poderá sentir o drama de perto e descobrir que, além do conforto material, elas necessitam de muito, muito carinho. É véspera de Natal, venha comigo.
. Rui lotou o carro de brinquedos e foi. Voltou triste e sombrio.
. - Cheguei lá - relatou-me depois, com amargura - distribuí os presentes e me senti o Papai Noel. Mas na hora da refeição me fizeram comer com as crianças. Você conhece os excepcionais. São mongolóides, o nariz escorre, têm meleca nos olhos, e babam pela boca retorcida. Gaguejam e se lambuzam. A metade da comida voltava para os pratos e elas punham de novo na boca. Fiquei enojado. Engoli como pude a refeição que custava a passar pela garganta. Terminei de comer, mas não aguentei. Pedi licença, fui ao banheiro e vomitei tudo. Então me senti desprezível, insignificante e mesquinho. Um estúpido imaturo e pretensioso. Fiquei com inveja da tia e das senhoras que alimentavam os pequeninos como se fossem anjos. Quando conseguirei ser gente como elas? Quando?
. Vi pairar nos olhos oblíquos e estreitos do Rui um par de lágrimas brilhantes como estrelas.
. Nunca tinha visto lágrimas tão meigas e puras como aquelas.
. Elas continham toda a bondade do mundo.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O MEU NETO POLIGLOTA

. Vez por outra, fico matutando sobre a vida quando ouço vozes e risadas infantis. São escolares passando diante da minha casa. A saudade aperta e vou deslizando mansamente, evocando os tempos idos, recosendo e aconchegando o período em que cuidava dos netos, hoje no outro lado do planeta: o nostálgico Brasil.
. Lembro-me da fase em que rejeitavam a comida na boca e tentavam usar talheres, lambusando-se todinho, mas se esforçando para ser auto-suficientes. Exatamente o inverso do velhinho astuto que, no hospital onde fiquei internado, mesmo sabendo utilizar os pauzinhos para comer, esperava que a enfermeira viesse alimentá-lo.
. O objeto preferido do meu neto Gabriel , quando mal andava, era um molho de chaves com o qual, no começo, saía procurando buracos, qualquer buraco. Mas não tardou a perceber que o buraco adequado para enfiar chaves era a fechadura que não conseguia alcançar. Pedia colo. Carregando-o, deixava exercitar sua vocação para banqueiro (arrombador de cofres, uma ova!).
Ele nunca acertava a chave, mas a dor nas minhas costas de halterofilista especializado em suspender um futuro banqueiro era infalível.
. Ele costumava também pegar uma caneta e escrever, em chinês, suponho, nas paredes, nas costas do meu casaco branco, enfim em toda parte, menos no caderninho que lhe entregava, pois só criança rabisca cadernos.
. Era todavia sistemático quando caía em suas mãos a agendinha que o pai aflito procurava há dias. Não sossegava enquanto não a preenchia inteirinha, em hebraico, desconfio. Nunca consegui descobrir se ele emitia cheques - sem fundo, é lógico - ou redigia um "best-seller".
. Até quando atirava pedrinhas, percebia que não era à toa. Logicamente, caçava um frango assado para o almoço. Às vezes me usava como alvo. Sendo pecador, eu merecia.
. Via-o tentando ajudar o pai, como qualquer bom filho. Enfiava todos os disquetes que encontrava no aparelho de som que, para ele, tinha a aparência mais próxima de um computador.
. Naquele tempo ainda fumava e meus isqueiros desapareciam misteriosamente, até que descobri que estavam sendo armazenados atrás da copiadora. Jamais decifrei se ele estava formando estoque para sua futura loja ou já sabia que cigarro podia dar câncer.
. Gabriel só agarrava os brinquedos quando apareciam visitas, fazendo questão de mostrar que eram seus, não meus. Quando os visitantes iam embora, voltava a jogar pedrinhas ou desenhar nas paredes obras que fariam inveja a Picasso.
. É engano pensar que criança adora bichinhos de pelúcia. Quem gosta é a sua mãe. O pequeno gosta mesmo é de arrastar aquele cobertor malcheiroso.
. O que o adulto chama de lazer é uma pausa temporária das responsabilidades e dos problemas. É busca de alívio e repouso. O indivíduo crescido gosta de se distrair e procura transmitir sua noção de divertimento aos filhos. Mas os petizes, quando pegam um brinquedo, estão sempre assumindo tarefas.
. Quando o miúdo cava uma fenda no quintal, pode ser início de uma trincheira ou o alicerce de uma fortaleza.
. Observem uma garotinha com sua boneca. Ela assume com dignidade o papel de mãe e, às vezes bronqueia ou suspira, farta da trabalheira, mas cumpre sua obrigação materna.
. Um garoto com o seu velocípede certamente está participando de uma corrida na Fórmula 1. Quando puxa um carrinho, está transportando a mudança de alguém. De graça.
. Em suma, criança gosta mesmo de trabalhar. À medida que cresce, vai se tornando cada vez mais preguiçosa. Quando vira adulto, a desdita se completa e passa a aguardar os feriados.

sábado, 22 de novembro de 2008

MAS COMPRAM AS GALINHAS

. Idéias alheias precisam ser degustadas, extraindo-se delas apenas o que é útil para estimular as faculdades mentais. A sobra deve ser evacuada por metabolismo cerebral.
. Perdendo a capacidade de filtrar as informações que hospedamos na mente, corremos o risco de ficar com a cabeça encharcada de pensamentos divorciados das nossas próprias tendências. Perdemos o dom natural da individualidade e, no curso tortuoso da vida, acabamos adotando posturas das quais intimamente discordamos.
. Mesmo sem chegar aos extremos, quem engole sem mastigar as idéias que acolhe, por indolência ou comodidade, se transforma num mero maria vai com as outras.
. Tão ruím quanto o obstinado que custa a deglutir as informações que recebe é aquele que, mantendo a cuca eternamente escancarada, assimila tudo quanto é bagulho.
. O teimoso possui, de certa forma, uma personalidade. Pode ser nociva, mas tem.
. A fé, equivocada ou não, é um sentimento que exige convicção. Não podemos pedir convicções emprestadas. Seria como rogar a alguém ir ao banheiro em nosso lugar, por estarmos ocupados.
. No mundo das artes, o individualismo é essencial. Embora partilhassem o mesmo clima, houve pintores que repeliram o impressionismo. Dentre eles, três que abriram as portas para a arte moderna e acabaram classificados como pós-impressionistas:Paul Cézane ( não gosto dele ), Paul Gauguin e Vicent Van Gogh. Os dois últimos chegaram a morar juntos, mas viviam às turras, inclusive quanto à utilização de tintas. Van Gogh, amparado pelo irmão Theo, gastava à vontade. Gauguin, pé-rapado, era avarento e chamava o colega de perdulário.
. A dura e feia realidade gera a tentação de enveredar pelos caminhos do misticismo, levando os incautos a rezarem a cartilha de falsos profetas que garantem um paraíso com sabor de pudim caseiro.
. Na fábula do ganancioso que matou a galinha dos ovos de ouro, tentando enriquecer mais depressa, todos aprendem que não se deve matar a ave. Mas sempre há os que compram galináceos na esperança de que botem ovos de ouro.
. É difícil encontrar alguém que esteja satisfeito de ser o que é. Geralmente, almejam mais que podem. No encalço do inatingível, a tendência é buscar os que afirmam dominar o segredo para granjear o que estão cobiçando.
. Até mesmo os charlatões proclamam coisas boas e úteis, habitualmete revestindo as coincidências com vistosas embalagens. Mas para trilhar os caminhos por eles indicados, paga-se o pedágio.
. Como são muitos os ambiciosos, acabam se agrupando e engolindo por inteiro a ladainha e devidamente moldados, tornam-se fantoches incapazes de raciocinar por conta própria, inábeis para avaliar e demarcar os sortilégios.
. Os maiores desastres da humanidade germinaram de uma desastrada forma de contágio que incitaram a obstinação coletiva. Os preceitos maléficos de um pequeno grupo incluente acabaram por empolgar uma nação inteira, resultando no sacrifício de 6 milhões de judeus inocentes.
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sábado, 15 de novembro de 2008

O GÊNIO E AS ROSQUINHAS

. Desde pequeno o meu filho Paulo Francis é fascinado por aparelhos domésticos. Certa vez, fez questão de restaurar um conjunto de som que nem estava danificado. Após ele desmontar e remontar, tivemos que usar o valioso equalizador importado como torradeira de pão. Mas o toca-discos ficou ótimo para mim, pois vivia ocupado. Paulo Francis alterou a rotação de tal maneira que eu conseguia ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven inteirinha em três minutos, quarenta e sete segundos e cinco décimos.
. A sua invenção suprema foi, porém, um mecanismo espacial em dois estágios, um para ir, outro para voltar. Objetivo? Marte. Dispunha até de um controle remoto. Encantada, minha mulher batizou a geringonça de "Oitava Maravilha".
. No dia do triunfal lançamento, convocamos a vizinhança para assistir ao prodigioso espetáculo.
. Minha mulher serviu café e rosquinhas para os convidados.
. Enquando os vizinhos comentavam que as rosquinhas mereciam ir para o espaço juntamente com o foguete, o nosso míni-gênio acionou o controle remoto.
. Ouviu-se um grande "buumm!" e a "Oitava Maravilha" afundou no chão.
. Nunca mais foi vista.
. Inspirando-se na avançada tecnologia do míssil soterrado, Paulo Francis projetou uma utilíssima engenhoca que acoplada ao ferro elétrico, reduziria em 50% o consumo da energia.
. Entusiasmada, minha mulher decidiu acompanhar de perto os esforços do animado Einstein doméstico.
. Ficamos todos sem almoço.
. Num domingo ensolarado, o grito radiante do nosso talentoso herdeiro ecoou pela casa que estava em absoluto silêncio, pois os dois menores, Stefan e Tatiana, que eram barulhentos, munidos de estilingue, tinham ido caçar rolinhas para fritar.
. Embora se sentisse zonza, pois toda vez que pressentia o choque, Paulo Francis segurava a sua mão, minha mulher testou a bugiganga que apelidou de "Orgulho da Mamãe".
. -Funciona? - perguntei hesitante. O monstrengo era enorme.
. Minha mulher, de olhar cintilante, respondeu:
. - Ficou melhor que o esperado. Não gasta nem um pingo de energia. E me entregou uma camisa toda amarrotada que tinha acabado de passar.
. A vizinha dengosa veio bisbilhotar.
. Minha mulher serviu café com rosquinhas.
. A fofinha comentava que a saborosa rosquinha parecia de ferro, quando Paulo Francis perguntou se ela não queria uma versão popular do "Orgulho da Mamãe" com acabamento de primeira.
. Horrorizada, a fofa se benzeu e saiu correndo.
. Até hoje ninguém sabe por onde ela anda.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O VELHO NOVO

. Sábio é quem consegue viver sua época degustando bago a bago o cacho das suculentas uvas colhidas na vinha da existência.
. Saboreie o presente, mantendo acesa a curiosidade, abrindo as janelas da mente para sentir o bafo das novidades relevantes. Acompanhe a evolução do mundo, colhendo bocados para aquecer o coração e polir a mente.
. Viver a época significa viver a própria idade, desfrutar a infância quando se é criança, curtir a juventude enquanto jovem, ser adulto ao atingir a maturidade e prezar a velhice com serenidade ao se tornar idoso.
. Parece fácil? Nem tanto. Principalmente na fase adulta, há os que iniciam uma desesperada jornada contra a ação do tempo, recorrendo a artifícios, esticando precariamente a couraça. Mas a cada round a luta se torna mais penosa e quando o reboque não oculta mais a constelação de rugas, aposenta a cuca e, de olhar baço, passa a espiar a vida pela fresta das pálpebras.
. Ao tentar alongar a primavera, cheirando flores murchas, deixa de comer as frutas do outono.
. Não devemos entregar os pontos enquanto sobra mel no pote. Mas é prudente controlar para ir digerindo com inteligência. Prolongar a mocidade não é imitar o garotão das praias. É preservar, de olho no relógio do tempo, a plenitude da ocasião.
. Se tentarmos ser o que não somos mais, estaremos desperdiçando uma boa fatia da vida.
. Há indivíduos cujo aspecto e comportamento nos causam certo desconforto. Em algum ponto fogem da normalidade, embora em se tratando de pessoas não existam padrões. É a criança que, sem revelar nenhum sopro de precocidade, comporta-se como um adulto. É o jovem enrustido, de face turva, que parece carregar todos os pecados do mundo. É o sujeito embotado e maduro que, ofegante, busca acompanhar o ritmo dos jovens. É a mulher já sem viço que tenta copiar a colegial.
. O que incomoda é o íntimo, o âmago, a mentalidade rançosa e postiça dos que insistem em conservar um espelho embaçado na cuca.
. Um pai de família sovina que veste a roupa desusada pelo filho é apenas engraçado. A velhota que se cobre de adornos e babados é simplesmente exótica. Mas seriam ambos grotescos se tivessem a ilusão de encarnar a juventude.
. Muitos confundem, por analogia, o modernismo e a juventude, acreditando que imitando o jovem assume o estilo inovador.
. Mas ser atual independe da idade. Moderno é tudo aquilo que se insere no contexto vigente. Há homens velhos que são novos pois mastigam e respiram o presente.
. Velho mesmo é o velho jovem.
. Ele vive o passado.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

MANDIOCAS E VELHACOS

Oi, pessoal:
. Faço uma pausa para trancrever uma crônica que escrevi em 1998, quando ainda possuía senso de humor, e faz parte da série "Meu Filho Caubói".
. Construí minha casa num cantinho de terreno de 32x40m e sobrou espaço para horta. A minha mulher teve uma idéia opaca (suas idéias nunca são luminosas) e pediu para o caseiro, "seu"João,
plantar mandioca (Epa!).
. -Vamos comer cochinhas o ano inteiro - prometeu. O mandiocal ficou lindo, com as lagartas tomando porre.
. Naquele tempo, o amigão do meu filho Stefan era um negrinho tão negrinho que todos o chamavam de Pretinho.
. Um dia, minha mulher que mascateava roupas voltou para casa e viu Stefan e Pretinho dividindo um bolo de dinheiro. Do lado havia uma carriola com uma balancinha antiga, daquelas que a gente bota o peso de uma banda, que o verdureiro tinha emprestado.
. Os dois abriram um largo sorriso e Stefan explicou satisfeito:
. -Foi legal, mãe. A mulheirada lá da vila falava assim: traz mais, traz mais, pode trazer o quanto quiser que nóis compra tudo. Pena que acabou.
. Minha mulher arrepiou e foi espiar o mandiocal. No terreno todo cavoucado não havia restado um único pé de pé.
. Ninguém comeu coxinha naquele ano.
. Os negócios do Stefan nunca davam prejuízo para ele, pois só usava material dos outros.
. Apareceu um velho boiadeiro querendo levar a bicicleta velha da caçulinha Tatá e o meu televisor antigo com o transformador. Explicou que tinha autorização do vaqueiro japonês pequenininho.
. Minha mulher enfrentou o facínora de vassoura em punho. Xingou o boiadeiro de corruptor abominável, desalmado, explorador de criancinhas, daí pra baixo. A baixinha é valente, pois não é qualquer uma que consegue ser mãe do Stefan.
. O velho boiadeiro tinha uma paciência incrível. Levou duas horas para convencer minha mulher de que fora uma troca justa. O toquinho de vaqueiro tinha ficado com o seu belíssimo alazão. A saliva da minha mulher secou e ele foi embora com as tranqueiras.
. Daí a pouco o vaqueiro japonês miudinho apareceu arrastando um pangaré moribundo. Dizem que de cavalo dado não se olham os dentes. Mas como era na base da troca, minha mulher olhou. Não havia nenhum.
. As condições do acordo eram de que se o boiadeiro viesse sozinho e conseguisse amansar a fera (minha mulher), pegando o bagulho, negócio fechado.
. A permuta de trastes foi um acordo de velhacos. Se de um lado o velho boiadeiro entregou um matuzalém eqüino cuja idade só Deus sabia, as rodas da bicicleta da caçulinha eram quadradas de tanto o Stefan fazer cavalo-de-pau e no meu televisor antigo só entrava chuvisco. A única coisa útil era o transformador barato.
. Fiquei rezando para que o Stefan não tentasse montar o pangaré, pois o monstrengo pré-histórico podia desabar e bater os cascos ali mesmo, no meu quintal.
. Mas Stefan conseguiu trocá-lo por um par de botinas.

domingo, 9 de novembro de 2008

UM EMBARAÇOSO APELIDO

. Meu primo Inácio Tanaka, um virtuose, soprava com rara destreza a sua gaita-de-boca. Conseguia extrair do pequeno instrumento um som prodigioso, apezar de nunca haver estudado música.
. Eu também gostava de tocar uma gaitinha e era uma catástrofe. Mas jovem, presumido, invejoso, deixei de elogiá-lo, embora no íntimo, reconhecesse sua inegável supremacia. Meu primo dispunha, além da destreza e sensibilidade, de um ouvido excepcional e aptidão inata para dominar a escala musical. Além dele, só conheço pessoalmente um com esse invulgar atributo. É o Francisco Binhardi, "Tuti", secretário executivo da Prefeitura de Bastos.
. Li na revista VEJA, há muito tempo, um artigo afirmando que apenas um em cada cem indivíduos possui esse dom. É óbvio que, com estudo e treinamento, é possível adestrar os sentidos. Mas de forma inata, mesmo entre grandes compositores da música clássica, poucos desfrutam desse atributo. Se não me engano VEJA citou apenas Mozart e Schubert. No Brasil, o acordeonista Hermeto Pascoal é um deles.
. Inácio faleceu prematuramente, antes que eu tivesse a chance de enaltecer seu talento.
. Aprendi com isso a deixar o orgulho de lado e ser humilde o suficiente para reconhecer de imediato a virtude alheia.
. Mas, talvez devido ao meu aspecto de rábula desleixado, muitos me chamam pela alcunha incômoda de "mestre", o que torna as coisas difíceis.
. Quando estive em Rondônia, o então jovem Seiki Zakimi, cunhado do meu grande amigo Wilson Modro, o Alemão, quis que lhe ensinasse a pintar. Olhei para as obras de Seiki e fiquei arrepiado. Sua habilidade, naturalmente adquirida, era incrível. Ele manipulava as cores com invejável equilíbrio, como um inspirado Toulouse-Lautrec.
. - Não posso ensinar para quem é melhor que eu - observei.
. Seiki ficou ofendido, achando que estava sendo esnobado e eu não tinha interesse em orientá-lo.
. Recentemente, fiz uma observação sobre a genialidade de Vincent Van Gogh e ganhei um admirador chamado Koz no orkut. Através do Koz, conheci, ainda pela internet, o Rildo.
. Rildo é o pintor que não consigo ser. Seus traços possuem vigor e dinâmica e há determinação e firmeza nas cores que utiliza, característica de um bom artífice. Pois está difícil convencê-lo de que seus trabalhos são bem melhores que os meus.
. Para confundir ainda mais, o agora já velho amigo Dante Asakawa, cinquentão de Toyohashi, me chama de guru, diretor de super 8. Trata-se de uma bem humorada gozação que só meia dúzia de amigos da sua idade vão entender.
. Vai causar perplexidade para os demais.
. A propósito, Dan, filho da minha saudosa professora do jardim-de-infância, dona Harue Matsumoto, acha que possui o charme de Brad Pitt, pelo que espiei no orkut.
. Pois, comparado a ele, o feioso Charles Bronson é um galã e tanto.

domingo, 2 de novembro de 2008

DEUS NÃO ESCOLHE MORADAS

. Há um instante mágico no pôr-do-sol em que não podemos definir se é o dia que está morrendo ou é a noite que está nascendo.
. Assim também é a vida que, com suas contingências, é um estado de espírito.
. Na dura faina do obreiro ocorrem incidentes. A reação pode ser um patético "estou acabado", um equilibrado "não foi tão grave" ou um esperançoso "vou me recuperar".
. As miúdas alternativas do cotidiano encobrem múltiplas faces e dependendo do ângulo com que as encaramos, ficamos abatidos, desgostosos, coléricos ou serenos e confiantes.
. É o que procuram ensinar as brochuras que versam sobre a sensatez existencial e proliferam nas livrarias e bancas.
. Algumas, de cunho exotérico, mencionam forças externas e superiores capazes de nos proporcionar conforto e modificar nossos destinos.
. Essa energia, em potencial, existe, não nas místicas figuras que adornam as vertentes de alguma montanha tida como sagrada, mas dentro de cada um de nós.
. Os que exercitam a fé sabe que Deus não escolhe moradas. Ele não é maior em grandes templos. Está em todas as partes. Está conosco sempre, mesmo que a nossa morada seja um rústico casebre.
. A rotina, na maioria das vezes, é tediosa. Mas desde que, por instantes, tenhamos elevado as nossas preces, escutando os silenciosos sinos da fraternidade, poderemos desempenhar nossas tarefas, por mais humildes que sejam, na convicção de que estamos lavrando um pedacinho de terra para que alguém possa nele desenvolver algo em benefício da coletividade.
. Se a injúria magoa, um sorriso doce nos anima e reconforta.
. São os sorrisos francos, benévolos e contagiantes que nos aproximam de Deus.
. E não nos esqueçamos jamais que aquele pequeno órgão que bate em nossos peitos se chama CORAÇÃO.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O QUARTINHO DOS FUNDOS

. Vamos presumir que a nossa mente é aquele quartinho dos fundos onde nunca acolhemos visitas.
. Deve estar bagunçado, com a poeira da indolência acumulada nos cantos; os arquivos da memória confusamente empilhados, sebosos, bolorentos, carcomidos pelas traças do tempo; os móveis obsoletos disputando espaço com os mais recentes, trincando os caminhos da razão, do bom senso; o crucifixo da nossa fé dependurado tortinho na parede encardida das conveniências e o leito dos pecados guarnecido por cobertas maculadas com nódoas de recordações pouco louváveis.
. Arrumadinhos na estante, apenas os manuais de uso cotidiano.
. Sempre que o ambiente nos sufoca, abrimos a janela do lazer para observar a vida alheia, os mais discretos se limitando a espiar pela fresta das cortinas. Renovamos o ar e fingimos colocar em dia as pendências.
. Mas as impurezas permanecem.
. Que tal, vez por outra, executarmos uma faxina abrangente? Limpando e polindo os objetos de nossa estima, poderemos redescobrir toda a beleza que eles continham e reviver os tempos em que bastava um simples sorriso da garota cobiçada para que, embriagados de paixão, ficássemos insones.
. Jogando fora os trambolhos, acabaremos constatando que havia lugar de sobra para introduzir preciosas novidades.
. Num quartinho mais asseado, funcional e bonito, poderemos nos movimentar com maior desenvoltura, as idéias fluindo em abundância. Assim, poderemos aumentar a poupança do cofrinho da reflexão.
. Aquela antiga poltrona onde sentávamos, estufados de presunção e sofismas, poderia ser atirado no porão do esquecimento, colocando-se no lugar outra mais atual para nela nos acomodarmos, serenos e ponderados, a meditar com humildade.
. Teria chegado o tempo de recolhermos os cacos do vaso quebrado num momento de ira, apagando da lousa de ressentimentos as palavras ásperas e ofensivas que ouvimos do nosso desafeto, deixando de ruminar o amargo "um dia me paga".
. Poderíamos eliminar uma boa parte das músicas guardadas no baú da saudade, arrumando um cantinho para os inovadores ritmos em voga.
. Algumas cicatrizes são permanentes, mas se as cobrirmos com as vestes do otimismo e da boa vontade, acabaremos por esquecê-las.
. E quem sabe, em nossa varredura consigamos recuperar alguma pérola de sabedoria escondida na curva da existência.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

AS LIÇÕES DO BUDISMO

. Dizem no ocidente que os japoneses professam duas religiões harmonicamente: o xintoísmo e o budismo.
. Há um equívoco, se bem que sutil. Conversando com um japonês, fiquei sabendo que o budismo, em sua essência, não é considerado uma religião.
. De fato, Buda, venerando filósofo humanista, não é deus. Quanto ao xintoísmo, por imposição do general americano Douglas Mac Arthur, quando o Japão se rendeu na II Guerra Mundial, o imperador Hiroíto teve que abdicar da sua condicão de divinidade. Assim, o povo nipônico, embora preservando as tradições, é basicamente ateu em sua maioria.
. Mas o ministério budista é fascinante. Por exemplo, eles pregam que a felicidade é quando morre o avô, depois o pai, depois o filho, depois o neto. No início, não entendi. Mas eles infundem a ordem natural das coisas. Desgraça seria morrer o filho, depois o pai. Ou morrer o neto, depois o avô.
. O budismo nos ensina não apenas contemplar a natureza, mas assimilá-la, integrando-a à nossa existência.
. Numa escolinha primária, o diretor foi testar a percepção das criancinhas.
. - Quando fica bem frio, o que ocorre com a água? - perguntou.
. - Vira gelo - responderam.
. - E quando a neve derrete, o que acontece?
. - Vem a primavera! - exclamou um garotinho.
. Os japoneses comemoram a efêmera florada das cerejeiras. É o "hanami" (contemplação das flores).
. Quem conhece Bastos, no interior de São Paulo, minha cidade natal, pode em determinada época do ano visitar o clube de golfe local, fundado por japoneses e descendentes. É majestoso, com os ipês tingindo de amarelo as margens das pistas.
. Há uma lenda sobre um jardineiro japonês que cultivou dezenas de crisântemos. Quando desabrocharam, podou todos, exceto um, o mais belo, para exibi-lo aos visitantes.
. Os budistas conseguem incorporar a natureza que os envolve, formando um todo. Não observam, integram-se.
. É interessante. A idade vai modificando o nosso senso de observação. Um dia, ainda jovem, no Brasil, estava numa relojoaria quando vi uma senhora, já meio idosa, decidindo se comprava um colar de esmeraldas. "Fica bem?"- perguntava às amigas. Ela tinha um rosto sulcado de rugas, uma boca enorme e não era nem um pouco atraente. "De que adianta se adornar com esmeraldas, sendo tão desairosa?"- pensei na ocasião.
. Pois imaginem que, por ser feia, a mulher desistisse de se enfeitar, andasse descabelada e maltrapilha. Seria asquerosa e sua proximidade causaria repulsa e mal-estar.
. Idoso, acredito hoje que não importa o aspecto inato de uma pessoa. É obrigação de cada um de nós cuidarmos da aparência com esmero e decência.
. Em suma, a senhora enrugada merecia ostentar o colar de esmeraldas.
. É o que apregoa o budismo.

cartum humor

CARTUM CLASSIFICADO NO XXXV SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR DE PIRACICABA 2008

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O SORRISO ARREPIANTE

. Após muita insistência, um bancário de Rancharia, São Paulo, logrou convencer uma recatada donzela a acompanhá-lo a um motel. Mas equivocou-se e seguiu o trajeto errado. Foi então alertado timidamente pela casta mocinha que sussurrou: "Naquela esquina, você deveria ter virado para a esquerda".
. Daí em diante, ela o orientou direitinho, inclusive dentro do motel, indicando o local exato para estacionar o carro.
. Tempos depois, ouvi um relato idêntico em Presidente Médici, Rondônia, tendo como protagonista um funcionário da prefeitura.
. Como é que essas histórias se espalham?
. Talvez influenciado pelo surpreendente "The Dark Knight", filme que narra o embate entre Batman, o Cavaleiro das Trevas, e o sinistro Coringa, os japoneses resolveram esclarecer a origem de um boato propalado há 30 anos.
. Uma mulher surgia com uma máscara de gaze cobrindo a parte inferior do rosto e perguntava: "Você me acha bonita?". Em seguida, retirava o disfarce e e exibia uma horrenda boca, rasgada de ponta a ponta, num arrepiante sorriso petrificado e sardônico.
. Todos afirmavam possuir um amigo que havia topado com a medonha criatura.
. De boca em boca, os rumores foram difundidos em todo o arquipélago, de Kyushu a Hokkaido.
. Os jornais publicaram matérias instigantes e, em 1979, cerca de 90% das emissoras de rádio comentavam o assunto, a partir do recebimento de um "hagaki"(cartão postal).
. Até a polícia acabou envolvida e a proibição de alastrar a balela aguçou ainda mais o interesse e o pavor sobre o enigma.
. Segundo as averiguações, os desvarios tiveram origem na província de Gifu, fortalecendo-se a suspeita de que o burburinho tomou ímpeto nas redondezas da cidade de Minokamo, onde resido. Mais precisamente, a primeira aparição ocorreu no banheiro de um estabelecimento de ensino da pequena Yaotsu, com 10 mil habitantes, que fica ao lado de Minokamo.
. Constatou-se também que a assustadora supertição migrou para a Coréia do Sul, onde continuou provocando calafrios.
. Com essa pesquisa inútil, levantou-se uma curiosa hipótese. Na década de 70, houve períodos difíceis para os japoneses e o isolamento conseqüente fez do mistério uma forma original de aproximação. As pessoas buscavam o vínculo e o diálogo através do terror.
. Faz sentido. E se assim é, a megera deve estar rondando as escolas da Coréia do Norte.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

UM PAÍS QUE RENASCEU

. Os "experts" japoneses de música enunciam com profundo respeito, por extenso, o nome de Antônio Carlos Jobim e continuam aplaudindo o talentoso e afinado guitarrista e intérprete João Gilberto, longe da ruidosa torcida brasileira.
. O que os atrai é o ritmo, a cadência da bossa nova que, embora ungido pelo balanço do jazz, não perdeu sua origem auriverde. Apenas a requintou.
. Esse traquejo os nipônicos não possuem, ou não fazem o menor esforço para conseguirem.

. Um compositor japonês lastimava a existência de um abismo desunindo a moderna música japonesa e a antiga.
. Bem, não conheço abismos infindáveis. Por mais profundos que sejam, as superfícies apartadas estão ligadas em sua base.
. Culturalmente, sob muitos aspectos, o Japão do pós-guerra não mudou, renasceu. Em se tratando de música, não há conexão entre o novo e o velho. Eles cortaram as raízes da sua tradição milenar e alojaram, embora capengantes, no preceito americano.
. A apresentadora de TV, Akiko Wada, famosa no arquipélago, que interpreta canções tidas como modernas, não oculta a repulsa que sente pelo "enka", a tradicional melodia venerada por idosos. E atribui sua paternidade musical a dois ceguinhos geniais: Ray Charles e Steve Wonder.
. Por falta de referências, denomino os contestadores do timbre de Akiko Wada como "ukigussa generation" (geração flutuante).
. O prenúncio da globalização sacudiu o mundo. Ídolos como Elvis Presley ou James Dean ainda comovem os saudosistas. No Japão, não houve influência, mas adoção.
. É curioso escoltar os progressos da canção japonesa que antes continha versos quilométricos. Eles foram sendo reduzidos, buscando-se a essência das idéias concebidas.
. Mas em vez de difundir os padrões estéticos da melodia herdada dos antecessores, fizeram o inverso e tornaram-se prolixos. As estrofes foram esticadas num arremedo das longas canções alienígenas que mantiveram o hábito dos trovadores de encadear múltiplas situações para colorir o tema principal.
. Como toda imitação, perdeu-se a espontaneidade que emana, por exemplo, do comprido mas sublime Imagine de John Lenon.

Bem Vindo!


Estou iniciando as atividades neste blog.