quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

PAIXÃO DE DOCEIRA

. Quituteira de mão cheia, doce como um doce, Jandira ganhava a vida escorada na gula alheia. Mas exibia um visual insosso. Nariguda, testa estreita, de corpo era uma tábua sem salvação. "Coitada, tão prendada, tão meiga, tão feínha, vai ficar pra titia", fungava o condoído mulherio do bairro. Não havia ninguém que não gostasse dela, do seu jeitinho afável, dos seus quindins e brigadeiros.
. Mas um dia, o povinho estarrecido se deu conta de que o belo Nicanor, rico e cobiçado herdeiro da fábrica de macarrão, visitava amiúde a feiosa Jandira. O brilho do carrão parado na frente da modesta casinha da doceira ofuscava a vizinhança que babava de inveja.
. - O Nicanor endoidou. Só pode ser - resmungava com azedume a dona Alzira que investira na filha bonitona, recheada de curvas e lombadas, na esperança de fisgar o solteirão. Andara copiando até modelitos da Gisele Bündchen, para deixá-la um brinco. Não regateava cosméticos, embora faltasse arroz na panela e o marido definhasse, desnutrido.
. - Tem macumba nisso - insuflava a venenosa Cidinha, revirando seus olhos mafiosos - cruz credo, ave-maria!
. De um dia para outro, a santinha virou bruxa.
. Jandira, a princípio chocada, ficou com tanta raiva que resolveu esnobar. Empinou o nariz, já grande, e passava diante das fuxiqueiras com a pose "nem te ligo". Deixou de atender algumas encomendas de guloseimas que, aliás, escasseavam. Para não estragar as unhas, dizia.
. Mas quem dava mais raiva era o irmão dela, Ernesto, um vadio desempregado com panca de machão, que abusava do apaixonado Nicanor e andava se exibindo, pra cima e pra baixo, no carrão do pretendente, a quem chamava de "cunhadinho". Pegava as chaves sem pedir, comentavam.
. Até a Jandira ficava aflita, com medo de perder o namorado.
. - Sossegue, é um bom rapaz - dizia o generoso e tolerante Nicanor, justificando - é a idade, é a idade.
. Mas alegria de pobre dura pouco. O carrão sumiu, Nicanor também.
. Cidinha, sem fôlego, o pulmão chiando de asma, correu para espalhar a novidade.
. - Pois então, dona Alzira, a Jandira pegou o riquinho na fraga, na maior sem-vergonhice. Sabe como é...cruz credo!
. A dona Alzira não sabia. Abriu a bocarra e quase teve um orgasmo. Ávida, sacudiu o braço pelancudo da amiga.
. - Com quem, com quem?
. Cidinha afiou a língua, saboreando o suspense. Carregou no erre e sibilou no esse, degustando sílaba por sílaba, o bendito nome, ao cuspir, toda contente:
. - O Errrnesssto!

Um comentário:

lotuslotus2 disse...

Oi,Yoshimaro:

Qta perspicácia!
Estava tão enredada na estória das fofoquices,que,ao ler o desfecho,me surgiu um sorriso maroto de satisfação,pelo final,inusitado.
Parabens!