terça-feira, 17 de março de 2009

O RESERVA

. Ele apareceu conforme prometido. Cabelo engomado, sovaco aromático, banhado, jantado e prestativo.
. - É para você, meu bem - disse, exibindo um sorriso de atrair urubus e oferecendo uma caixa do bombom "Divino", estoque velho do armazém do pai.
. - Deixe por aí, Juca. Depois eu pego.
. Cris o tratava assim, no maior desprezo. Bonita, faceira, gostava de paquerar. Mas era mandona, egoísta e logo perdia o namorado. Entre um e outro, para não ficar sozinha, convocava Juca, o eterno suplente. Me paga sorvete, Juca? Pago! Me leva pra lanchonete? Levo! Ai, se não concordasse. Da boquinha mimosa saltavam insultos de corar o capeta.
. De parzinho novo, era um nem te ligo. Não tinha nem boa noite. Juca, conformado, perseverante, suspirava. Já, já briga e volta. Brigava mesmo.
. Então, chamava o Juca.
. - O reserva chegou - sussurrava a dona Geni, com pena do rapaz.
. - Manda esperar.
. - Posso comer o bombom? - murmurava a dona Geni, de estômago grande.
. E Juca, asseado, banhado, jantado, esperava, esperava, esperava.
. Alguns ficavam condoídos.
. - Nem beijinho, Cris?
. - Naquele beiçudo? Nem que a vaca tussa.
. Um dia, tendo levado um tremendo fora, na fossa, Cris chamou Juca. Podia até conceder um beijo. Depois escovava os dentes.
. Mas o capacho não veio.
. -Está noivo - disseram - de casamento marcado. Tem até proclama no cartório.
. - E quem é a eleita do boboca?
. - A Lucinha, da farmácia.
. - Aquela solteirona mofada? He, he, he! - zombou Cris, fervendo de raiva.
. Então o Juca me trocou por uma jereba? Além de feioso, tem gosto estragado. Ressentida, Cris nem conseguiu dormir. E arquitetou, espumando, uma vingança malígna.
. Usaria um vestido chiquérrimo, bem decotado, os seios quase espirrando, vermelho e justinho, como Juca gostava. E curto, para exibir as pernas perfeitas e irresistíveis. Nem o padre tirava os olhos. O penteado no capricho, manicure, pedicure e aquele rebolado de entortar até ceguinho. Batom? Da cor do pecado.
. Virava princesa, rainha. Não, uma deusa. A deusa da paixão, deslumblante, fatal!
. Com um finíssimo perfume francês nas axilas depiladas, nas orelhas, em tudo quanto era dobra, estaria cheirosa, tão cheirosa que balançava até a imagem de São Francisco.
. O pentelho do Juca não aguentaria. Chegaria molhadinho no altar e ardendo de paixão, mil vezes arrependido, botava a jabiraca de escanteio, com um sonoro "não" e cairia aos seus pés, babando de amor.
. Um escândalo!
. Daí, a divina Cris, deixando atônita a galera, se retiraria em silêncio, digna, vingada, saboreando o assombro. Será que ouvi aplausos? He, he, he!
. De manhã cedinho, pediu ansiosa.
. - Mãe, preciso de um vestido novo.
. - Para quê? Você já tem tantos...
. - É especial. Pro casamento do Juca.
. A dona Geni, gordinha, deu uma bocada na polenta e respondeu mastigando:
. - Ora, filha, o Juca nem nos convidou.
.
.
.

Um comentário:

Soninha disse...

Nossa amigo!!Que você é um "Artista Plástico" talentoso, isso não me é surpresa, mas que escreve crónicas de uma forma leve é tão prazeirosa de se ler, confesso que é novidade!!Mais um dom que não conhecia,fez-me lembrar do mestre Fernando Sabino!!Parabéns!!!Um grande abraço!!!